DO TRIGO ÀS CEREJEIRAS –
UMA RÁPIDA REFLEXÃO
Tenho defendido a
importância da educação científica no Brasil, principalmente no que tange a
busca por soluções determinantes, tais como a erradicação da miséria, das
doenças endêmicas, bem como a defesa e conservação do ambiente natural, só para
citar aqui alguns poucos exemplos.
Entendo que é através do
conhecimento científico e tecnológico que alternativas serão encontradas para
se realizar o tão propalado crescimento sustentável, bem como, a extensão dos
benefícios do progresso tecnológico para toda a população.
Busco demonstrar que o
analfabetismo científico, a exemplo de todo o analfabetismo, é historicamente
destrutivo, à medida que põe por terra todo o esforço para a melhoria da
qualidade de vida de todos nós.
Entre os casos mais
gritantes, podemos enumerar a título de exemplificação, no item “depredação
ambiental”:
poluição de mananciais;
consumismo desenfreado;
descarte irregular de
lixo;
instalação de esgotos clandestinos,
desperdício de alimentos e
de água;
exaustão de recursos
naturais;
etc.
Coisa que uma população
educada cientificamente não faria.
No entanto, não sou
ingênuo a ponto de pensar que só ciência e tecnologia seriam suficientes.
Esse processo passa pela
famosa educação de base: uma educação que contemple todos os aspectos do
indivíduo, incluindo aí a concepção de uma conduta ética voltada ao bem comum.
Por outro lado, sabemos
que a maioria de nossa população luta diariamente pelo simples direito de
sobreviver.
É terrível admitir essa
dura realidade, mas cerca de quarenta milhões de brasileiros não conseguem ter
sequer três refeições por dia.
E se falarmos então sobre
o acesso à água tratada, ao saneamento básico, à energia elétrica ou à saúde —
ou a já citada educação de base — o quadro é simplesmente desesperador.
Isso em pleno século XXI.
Como discutiremos nossos
ideais tão elevados se a realidade das diferenças sociais no Brasil é ainda uma
ferida aberta?
Percebo a indiferença de
alguns, que até se justificam, pois tem a clara convicção de que os mais pobres
estão nessa situação por que simplesmente não querem trabalhar.
Será?
Tenho viajado muito por
esse Brasil — e o que mais tenho visto, desde as primeiras horas da manhã, são
terminais de trens, metrôs, ônibus, etc. lotados. Apinhados. Um mar de pessoas embarcando
nessas conduções.
Quem serão eles? Seriam
esses os mais ricos do Brasil?
E para onde estarão indo,
assim tão cedo? Para a praia, para o clube?
Ironia à parte, através dos
dados da ONU pode-se constatar que a jornada de trabalho brasileira está entre
as maiores do mundo, ao mesmo tempo, que o respectivo salário figura entre os
menores. Por quê?
Outro dado alarmante:
O trabalhador brasileiro
está entre os menos nutridos do mundo.
Abrindo um parêntesis:
É evidente que existe
gente desonesta, preguiçosa e aproveitadora.
Mas isso não é
exclusividade dos mais pobres.
Eu quero chamar a atenção
a esse processo de reflexão, que cada um deve realizar dentro de si mesmo,
quando condena a todos pelo mau exemplo de alguns.
Fechando o parêntesis:
Cada vez que falo em
educação científica me recordo que a miséria é ainda a principal causa mortis
das crianças do meu país — simplesmente não me conformo.
Como prodigalizar às
nossas crianças o pão do espírito — que é a educação — se o pão do corpo lhe é
ainda negado?
— Lembrando sempre que o
trigo antes de virar pão precisa ser cultivado.
Também é uma saída fácil
atribuir a exclusiva culpa e responsabilidade ao governo, afinal eu pago meus
impostos para que esses problemas sejam resolvidos.
Todo o mês é descontado
27,5% do meu salário. Isso sem contar IRPF, IPTU, IPVA, etc. etc. etc. (e mais
os impostos embutidos em todos os serviços e produtos que consumo).
Qual é a parte que me cabe
nesse latifúndio?
Entra governo, sai governo
e o quadro desesperador persiste.
E mesmo ficando indignado,
mesmo indo às ruas protestar, mesmo votando consciente, mesmo cumprindo com
todas as minhas obrigações sociais, isso não tem atenuado o sofrimento da
maioria da nossa população.
Como dizia Betinho: – Quem
tem fome tem pressa.
Então, qual é a solução?
Um dos caminhos que eu
encontrei é o de unir minha força de trabalho ao de outras pessoas que, assim
como eu, resolveram fazer alguma coisa e não apenas reclamar.
[Sim! Existem muitas
pessoas assim no Brasil. Inclusive em sua cidade, basta procurar].
São voluntários que doam
algumas horas de seu mês para trabalhar pelos mais necessitados. Temos médicos,
dentistas, professores, engenheiros, operários, donas de casa, e tantos outros
cidadãos, todos unidos em torno desse mesmo ideal.
Tenho encontrado uma
chance de fazer parte da solução, e, sinceramente acredito que só a sociedade
civil organizada em uma democracia tem essa liberdade.
Evidentemente uma coisa
não exclui a outra.
Continuo lutando por meus
ideais, seja nas urnas, seja participando de protestos nas ruas, seja no
exercício pleno de minhas funções sociais como profissional e como cidadão.
Mas entendo que posso
fazer mais um pouco, enquanto estiver por aqui.
Algo que tenha
transcendência.
Mesmo que seja construir
um pequeno regato perante o oceano da eternidade.
Mas como diz um grande
amigo que atua no voluntariado há mais de vinte anos.
É como plantar uma
cerejeira.
É bem provável que você
nunca se sentará à sua sombra ou colherá de seus frutos.
É um simples gesto de
generosidade às gerações futuras.
Por Mustafá Ali Kanso em
11.11.2013 as 0:30
hypescience.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário