Debater é uma arte
essencial para aqueles que lidam com questões acadêmicas. Prefiro mil vezes um
debate que não chegue a uma conclusão a uma conclusão que dispense um debate.
Conclusões que não foram exaustivamente discutidas são como soluções vazias para
um problema que nem foi sistematizado. Neste processo, é muito importante que
haja espaço para boas discussões. Veja, eu disse “boas” discussões.
É uma pena
que certos comportamentos belicosos tenham dado à palavra discutir um novo
sentido semântico que não tinha nada a ver com aquele original de quando o
termo foi criado. Só para que se saiba “discutir” vem do latim discutere (dis,
separação + quatere, quebrar). O sentido original era quebrar, sacudir,
abalar.
Era isso o que os médicos
romanos faziam com as plantas para produzir um medicamento. Eles quebravam e
sacudiam as raízes para separar a terra e verificar as que eram ou não fortes o
bastante para servir de remédio. Em virtude dessa prática, discutir também
adquiriu um sentido adicional de “curar”.
Originalmente, portanto,
“discutir” seria pegar um assunto e agitá-lo, até ele se dividir em partes
menores e se desprender daquelas que seriam periféricas. Assim, ele fica mais
fácil de ser digerido, pois não podemos compreender tudo de uma só vez.
É por isso
que, em qualquer discussão, todos os envolvidos parecem ter sempre um pouco de
razão: cada um só vê a parte que lhe interessa, a do outro é sempre a terra a
ser desprendida ou o pedaço de raiz que não serve para nada. O importante,
portanto, numa discussão, é superar a tendência partidarista e usar as partes
“sacudidas” para se alcançar, senão o consenso, pelo menos o respeito por
aquele que discorda de nossa opinião.
Seria a busca por esse
respeito uma utopia? Bem, somando a ideia de que “a esperança é a última que
morre” ao fato de que sou um homem de fé, ainda acredito que é possível
discordar com respeito. E vou mais além: é possível ser amigo de alguém de quem
você discorda profundamente? Também creio que sim.
Veja o que aconteceu
comigo: perdi a chance de falar num fórum na Unicamp e isso me deixou muito
chateado, muito mesmo! Não concordei com a postura assumida por alguns
professores. Mas vejam o presente que ganhei de Deus (isso mesmo, “de Deus”;
lembre-se de que quem escreve acredita nEle): ganhei três novos amigos, uma
antropóloga canadense, um matemático e um físico – esses dois últimos se
empenharam ativamente pelo cancelamento do fórum. Um deles é o físico Leandro
Tessler, cujo nome está circulando como elétrons nas redes sociais. Espero não
ter errado na comparação, mas antes isso que dizer “circulando como azeitona na
boca de um velho” (rs).
Mas, falando sério, como
pode existir amizade numa situação dessas? Podem um crente e um ateu se
tornarem amigos? Ora, se o que eu acredito for verdade, eu e o Leandro somos
filhos de um mesmo Deus. Se o que ele diz for verdade, também somos todos
parentes por ter uma ancestralidade comum. Logo, no frigir dos ovos,
independentemente do modelo adotado, somos todos irmãos. Então, por que se
comportar como se fôssemos um bando de porcos-espinhos numa noite de inverno?
Devemos ser mais evoluídos do que isso!
Dá, sim, meus amigos, para
discordar com classe. Dizer que o professor Leandro é academicamente desonesto
não ajuda na argumentação. Pelo contrário, é tão ofensivo quanto supor que eu
esteja sorrateiramente entrando na Unicamp, como um lobo disfarçado de ovelha
para convencer os alunos da “perigosa” doutrina do criacionismo. Noutras
palavras: eu também seria desonesto!
Ambos, ele e eu, somos
muito honestos com nossa linha de pesquisa, mesmo que cheguemos a conclusões
diferentes sobre algumas coisas da vida. O professor Leandro foi muito cortês
no almoço que tivemos e não vi motivos para duvidar da idoneidade dele. Ao
contrário do que alguns supõem do caráter de um ateu, ele não pediu
“criancinhas ao molho pardo” e eu também não pedi alfafas.
Ele não é canibal e
eu não sou burro. Somos dois pensadores tentando entender a vida e o sentido de
nossa existência. Temos todas as respostas? É claro que não! Mas as estamos
buscando. Cada um a seu modo. Ele me deseja um “bom culto” quando digo que vou
para a igreja. E eu digo que “orarei por ele”. Não há ironias, nem desaforos,
apenas respeito um pelo outro, sem desconsiderar os pontos nos quais
discordamos.
Como cristão, eu tenho de
entender que não sou dono da verdade e não sei tudo sobre Deus. E como dizia
uma velha canção católica: “às vezes quem duvida e faz perguntas é muito mais
honesto do que eu”. Deus é menos ofendido pela sinceridade de um ateu do que pela
hipocrisia de um santo. É claro que meu desejo é que um dia o Leandro acredite
em Deus.
E se isso não ocorrer? Que me importa? Pela evolução ou pela criação
ele continua sendo meu irmão e merece meu respeito. Devemos defender com paixão
aquilo no qual acreditamos, mas alguns preferem defender com “raiva” e isso não
é nada bom!
(Rodrigo Silva é graduado
em teologia e filosofia, doutor em teologia e doutorando em arqueologia
clássica pela USP)
Nota: O texto acima foi
publicado simultaneamente no blog Cultura Científica, de Leandro Tessler.
criacionismo.com.br
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