Ética e vício
O conceito de vício é um
conceito extremamente mal entendido em nossa sociedade. O conceito clássico de
vício teve suas bases lançadas por Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, sendo
desenvolvido no livro iota da Metafísica. Segundo Aristóteles, os atos humanos,
pela repetição, criam em nós uma espécie de segunda natureza, mediante a qual
nós realizamos determinadas coisas sem esforço notável da vontade.
A isso
Aristóteles chamou de hábito. Assim, por exemplo, quem durante anos se
acostumou a acordar cedo da manhã, adquiriu este hábito e já não necessita mais
fazer violência contra a própria vontade para agir desse modo.
Os hábitos
humanos, em geral, são neutros, mas podem adquirir conotação moral, determinada
pela finalidade com a qual são praticados. Os hábitos cuja conotação moral é
boa, Aristóteles os chamou de virtude, sendo que seu contrário, isto é, os
hábitos cuja conotação moral é negativa, o estagirita os classificou na lista
dos vícios.
Coragem, temperança, liberalidade, prudência, gentileza, são, entre
outros, exemplos de virtudes para Aristóteles, pois quando o homem habitua-se,
pelo exercício contínuo, a agir dessa forma, já o faz quase naturalmente, sem
esforço notável da vontade.
Em contrapartida, a covardia, a insensibilidade, a
avareza, a moleza e a indiferença são típicos exemplos vícios, segundo a
conceituação da ética clássica: o homem vicioso pratica esses atos reprováveis
sem fazer esforço nenhum para tanto. Resumindo: os atos humanos, pela
repetição, transforma-se em hábitos, que podem elevar-se nas virtudes ou
degenerar-se nos vícios.
A dependência química em
uma determinada substância, ou o hábito de consumir determinado produto não é,
por si mesmo, um vício. O que determina a moralidade dos hábitos é sua
conotação moral e não a frequência de sua repetição ou a necessidade química ou
psicológica por ela causada. Um portador de câncer depende quimicamente de
muitas substâncias e não pode ser acusado de ser “viciado” nelas. Um soldado
que, durante uma guerra, precisou tomar morfina e, terminada a guerra, já não
consegue mais largar a substância, está na mesma situação: é absurdo acusá-lo
de ser um “viciado”. A palavra vício tem, sempre, uma conotação moral negativa
e não poder ser usada indiscriminadamente.
Alguém que fuma diariamente ou consuma
bebidas alcoólicas com certa frequência (sem o intuito consciente e deliberado
de obliterar a razão), não é viciado nisto. Um hábito não é necessariamente um
vício. Os vícios são intrinsecamente maus, pois têm relação com a moralidade
dos atos humanos, determinados pela sua finalidade. Também o causar mal à
própria saúde não pode ser critério para determinar virtude ou vício, desde que
esse mal não seja desejado consciente e deliberadamente.
Os fumantes,
normalmente, não fumam com intuito de prejudicar a própria saúde, mas fumam por
outros motivos secundários: a finalidade do fumante ao acender seu cigarro não
é causar em si um câncer de pulmão, motivo pelo qual o hábito de fumar não pode
ser considerado um vício, segundo o conceito clássico.
O conceito que normalmente
observamos as pessoas empregarem à palavra vício é uma deturpação do seu
verdadeiro sentido. A consequência trágica disso é o embotamento do senso moral
das pessoas, que são levadas por essa tendência politicamente correta de
considerar certos hábitos neutros como negativos. Assim, é normal um
antitabagista militante sentir-se orgulhoso de sua própria opinião infundada,
sendo que o tabagismo não é um vício, mas o orgulho vão é um defeito grave de
caráter.
Em outras postagens, pretendo desenvolver mais o tema, exemplificando
melhor e argumentando em favor da ética clássica, baseada na finalidade dos
atos e não em convenções arbitrárias coordenadas pela mídia, ou por campanhas
de massificação promovidas pelos governos.
Para terminar conto uma
anedota que ilustra o tema, atribuída a Churchill. Conta-se que o General
Montgomery, grande líder militar inglês, um dos principais generais aliados
durante a Segunda Guerra Mundial, estava sendo homenageado pela brilhante
vitória sobre o Marechal Rommel, da Alemanha nazista, na histórica batalha
entre as divisões blindadas nos desertos africanos. Quando usou da palavra,
Montgomery teria dito:
- Eu não fumo, não bebo, e
sou herói!
Churchill, com o fino
senso de humor que lhe era tão peculiar, ouviu o discurso e retrucou,
resmungando da poltrona:
- Eu fumo, bebo, e sou
chefe dele! (Churchill fumava um charuto atrás do outro e, conta-se, tomava
meia garrafa de uísque por dia)
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