O
pensador de Auguste Rodin, representação clássica de um homem imerso em
pensamentos.
Paixões dominantes.
"... paixão
significa, em seu sentido originário, aquilo que vem de fora e nos toma".
Quando ouvimos falar em
paixões dominantes, logo pensamos em seres apaixonados, em paixões que tomam
inteiramente nossas vidas, tornando-se o foco principal de nossa existência.
Pensamos em grandes e envolventes relacionamentos, em histórias das grandes paixões
humanas, que são narradas nos livros e filmes.
Em filosofia clínica,
Paixões Dominantes é um dos tópicos da Estrutura de Pensamento, que envolve não
somente a ideia comum de paixão, mas sua ideia originária.
Vinda do termo grego
pathos, assim como a palavra patologia, a palavra paixão significa, em seu
sentido originário, aquilo que vem de fora e nos toma.
A origem comum entre
patologia e paixão nos faz pensar: o que há em comum entre elas?
Do sentido originário, o
comum está no fato de sermos tomados por elas de modo que tal que possuem a
capacidade de dominar nosso existir, de sermos envolvidos a ponto de nossas
ações serem determinadas, muitas vezes, por elas.
Ao mesmo tempo em que são
vistas como capazes de gerar maravilhas na história da humanidade, as paixões e
as patologias também podem ser geradoras de muito sofrimento, de destruição, de
guerras. Não são, portanto, boas ou más em si. Apenas são um dado possível em
nosso existir.
Há quem viva por uma única
grande paixão, há quem tenha várias paixões na vida, e há também aqueles que
jamais se apaixonaram ou, ainda, os que estiveram por alguns momentos
apaixonados, mas vivem a maior parte de suas vidas sem paixões. Apesar de
algumas pessoas defenderem que as grandes paixões são necessárias para a vida,
é possível que alguém viva muito bem sem elas, dada a diversidade de nossas
necessidades. Como isso se dá para você, leitor?
O interessante nas paixões
é o fato de que não são os objetos geradores das paixões a questão, mas o
efeito provocado em nós. Por exemplo, você já esteve apaixonado por alguém a
ponto de suas ações serem em função dessa pessoa? Não foi a pessoa que provocou
essa reação em você, mas a afetação, a paixão que lhe moveu. Já esteve
apaixonado por uma ideia, por um projeto? Não foi a existência da ideia que lhe
determinou as movimentações, mas o quanto você foi afetado ou não por essa
ideia.
Apaixonado por repulsa
Outro dado interessante de
se observar é que nem sempre o "estar apaixonado" significa uma
espécie de encantamento ou um desejo de realização. Podemos ser afetados por
ideias que não desejamos, ou projetos que execramos, ou por pessoas que nos
causam repulsa, e ainda assim, estarmos "apaixonados". Ou seja, as
afetações nos tomam de modo tal que, ainda que não desejemos que execremos que
haja repulsa, somos movidos por nossas paixões.
No tópico Paixões
Dominantes, em filosofia clínica, o ponto a ser observado é a frequência com
que uma ideia domina nossos pensamentos, sentimentos e ações. Por exemplo,
alguém que pense em futebol ou política, ou qualquer outro assunto, com muita
frequência, poderá ter tal assunto como Paixão Dominante; alguém que pense em
outro alguém com muita frequência, poderá ter essa pessoa como Paixão
Dominante; alguém que se preocupe com uma questão frequentemente, poderá tê-la
como Paixão Dominante, e assim sucessivamente. Você tem Paixões Dominantes?
Quais são elas?
Ter uma Paixão Dominante
não é, em princípio, algo bom ou ruim. Por exemplo, o sujeito que pensa em
futebol o dia inteiro, que traz o futebol para a conversa sempre que possível,
pode ter isso como uma característica, e ela em nada atrapalhar ou auxiliar sua
existência.
Outro sujeito, que tenha a
mesma característica, pode dar peso tal a ela que se torna preso à sua Paixão
Dominante, não se permitindo pensar, sentir e fazer outras coisas que possam
ser necessárias a ele. Outro, ainda, pode unir sua Paixão Dominante a uma
busca, ou a um contexto favorável, e encontrar nela a forma para impulsionar
suas realizações. Ou seja, é preciso observar o peso, o papel e as interações
das Paixões Dominantes com os outros elementos da vida de cada um. Qual é o
peso de suas Paixões Dominantes, se você as tiver? De que maneira a presença ou
ausência de tais Paixões interfere em seu cotidiano? O que você pensa, faz,
sente em função dessa Paixão Dominante?
Em casos extremos, uma
Paixão Dominante pode se tornar um grande problema. Por exemplo, se a pessoa
tem como Paixões Dominantes ideias extremamente pessimistas - não me refiro
aqui a dados de realidade observáveis, que indiquem a possibilidade das coisas
não darem certo; refiro-me a ideias sem um fundamento concreto, que habitam os
pensamentos da pessoa - suas ações poderão ser definidas por tal pessimismo,
impedindo a realização de muitos de seus projetos.
Um medo, como Paixão
Dominante, poderá, dependendo de seu peso, seu papel e suas interações, impedir
a movimentação existencial da pessoa, levando-a, inclusive, a estados de
pânico. Observe que, ainda que o medo tenha uma função importante em nosso
existir, tê-lo como Paixão Dominante poderá ser um problema. Ressalto aqui que
não se trata de apontar medo, pessimismo, ou quaisquer outras características
como ruins, apenas indicar que, dependendo do peso, do papel e das interações
com o todo da existência de cada um de nós, o impacto de uma Paixão Dominante
poderá ser um fator fundamental em nosso modo de ser, sentir, pensar e agir.
Como uma Paixão Dominante
se origina? Não há como saber sem observar a historicidade de cada um. Há
Paixões Dominantes que se originam no contexto de nascimento, no convívio
familiar, no desenvolvimento de uma atividade. Outras são originadas por
agendamentos, ou seja, por coisas que nos foram ditas e que incorporamos.
Outras possuem origem na junção de outros dados, tais como, por exemplo,
pré-juízos, emoções, buscas, etc. Você consegue identificar a origem de suas
Paixões Dominantes, se as tiver?
Como lidar com as Paixões
Dominantes é a grande questão e, como tudo em Filosofia Clínica, não há uma
resposta única para fazê-lo. É preciso, antes de qualquer coisa, compreender a
gênese, o peso, o papel e as interações de uma Paixão Dominante com os demais
elementos da existência e, diante do quadro apresentado, encontrar as melhores
formas para lidar com elas. Seja evidenciando, diminuindo o peso, impulsionando
buscas, provocando cautela, ou qualquer outro caminho a ser trilhado, o
importante é que a forma de lidar seja compatível com suas necessidades e
possibilidades, assim como com as necessidades e possibilidades do mundo a sua
volta.
Monica Aiub
é Filósofa Clínica e
Mestre em Filosofia da Mente (UFSCAR-www2.uol.com.br
Para saber mais:
AIUB, M. Como ler a
Filosofia Clínica: Prática da autonomia de pensamento. São Paulo: Paulus, 2010.
_____. Para entender
Filosofia Clínica: O apaixonante exercício do filosofar. Rio de Janeiro: WAK,
2004.
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